Banco de Ônibus

Quinta-feira pela manhã, tudo normal, acordar, traçar o sinal da cruz, e que o Senhor abençoe meu dia. Café quente, escovar meus dentes, trabalhar. Essa é a primeira etapa da minha rotina cotidiana de segunda a sexta-feira – acho que rotina cotidiana não é pleonasmo. Mochila nas costas, é hora de trabalhar. Na parada espero o ônibus, observo o tempo, parece que o céu está tomando novo ar, claro e azul, como só um começo de dia pode nos proporcionar. Na parada as mesmas pessoas de sempre comentando os resultados dos jogos de ontem. Nenhuma novidade o timão ganhou mais uma.

Essas preliminares cotidianas são necessárias na nossas vidas, mas de fato algo pode acontecer em mio a elas e, de repente mudar o rumo de nossas vidas, digo isso por experiência própria. Quinta-feira pela manhã, como você já sabe, entrei no ônibus sentei no assento do lado da janela, sempre preferimos os assentos do lado da janela, aliás deveria existir, e talvez exista um estudo estatístico sobre as escolhas dos assentos no transporte coletivo. Bem… peguei meu MP3 e como sou educado peguei também meu fone de ouvido comecei a escutar música enquanto o ônibus seguia o itinerário. Até aí nenhuma novidade, mas então quando tudo parecia normal, ou melhor – vamos usar os termos apropriados – quando tudo parecia comum, uma mulher entrou no ônibus e sentou ao meu lado. Por mais incrível que pareça este fato simples, simplesmente desencadeou uma intensa reflexão.

Ela sentou ao meu lado, até pediu licença. O problema não é ela ter sentado ao meu lado, mas sentar-se ao meu lado quando tinham bancos com dois assentos desocupados, tanto do lado do corredor como do lado da janela. Mas enfim, ela sentou ao meu lado. Sem perceber me vi irritado: Pocha, por que ela sentou ao meu lado se ainda têm bancos vazios? Poderia bem ter pensado ser devido ao meu charme, mas estaria mentindo, não pensei nisso, também não sou tão charmoso assim, um pouco de fato, não posso negar, e pensando bem, até que ela era bem bonita e bem atraente, me lembro que sua pela era de um moreno discreto, com algumas sardas de sol no nariz, uma beleza simples, natural, mas nada disso passou por minha cabeça.

Ela, depois que me pediu licença, não falou mais comigo, tão pouco eu. Agora eu estava realmente em um profundo questionamento do comportamento do homem contemporâneo. Percebi que sem perceber estabelecemos uma paradigma individualista e egocêntrico. Um paradigma que não me permite sentar ao lado de outra pessoa se ainda restar um acento desocupado no ônibus, mesmo que eu fique do lado do sol. Me choquei. Até que ponto chegamos, eu deveria querer sentar ao lado de outras pessoas, talvez conversar, não necessariamente, mas cogitar essa possibilidade já seria alguma coisa, um começo, mas nem sequer cogitamos.

Como ao mesmo tempo podemos estar tão próximos e tão distantes uns dos outros. Como podemos estar tão indiferente às pessoas. Sociedade pressupõe socialização. Será quando me tornei assim? Tirei os fones de ouvido, e fique a observar se as minhas conjecturas estavam corretas. A observação confirmou minha tese. Realmente as pessoas preferem ficar expostas ao sol a sentar-se à sombra ao lado de outra pessoa, ao lado de outro ser humano. Pouco a pouco os lugares vazios foram sendo preenchidos.

Não restou banco com os dois assentos vazios, e então mais uma vez confirmei meus pensamentos. Cada pessoa que passava pela roleta, procurava um banco com os dois lugares vagos esticando o pescoço para a direita e para esquerda, depois de contestar que não havia lugares vazios observavam qual seria o melhor lugar para se sentar, depois novamente esticavam o pescoço para a direita e para esquerda, olhavam no fim do coletivo, só para ter certeza, e só quanto a certeza era absoluta se sentavam em um lugar vazio no lado do corredor ao lado de alguém que estava sentado do lado da janela.

É curioso descobrir algo diferente em nos mesmos, passei o dia refletindo sobre ela ter sentado ao meu lado. Durante o dia percebi como estamos cada vez mais apáticos aos outros, pelo menos passei por um processo de auto-conhecimento, ainda que incipiente. Não quero ser indiferente aos outros, não quero mais me irritar porque alguém sentou ao meu lado quando ainda restavam bancos com os dois assentos vazios. Acredito que ao fim do dia quando voltar para casa estarei um pouco mais humano!

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