Contos

A Universidade

 

Irei esclarecer, primeiramente, alguns fatos interessantes sobre a construção e sobre a história da nossa universidade, para que com mais transparência e clarividência possamos compreender e entender a nossa situação atual.

Quem é você? Perguntava-se o professor Manuel referindo-se a si mesmo.  Ainda hoje existem pessoas com pensamentos estranhos como o professor Manuel. Não que o autoconhecimento seja errado, mas não é disso que se trata esta pergunta, não estamos falando de ontologia, mas de crise de identidade. E não daquela crise de identidade proporcionada pela maturidade, ou por alguma epifania, não, não é isso. Neste caso é a simples e quase adolescente crise de identidade. De toda forma, o que realmente mais me incomoda em sujeitos deste tipo é quererem sempre ser em tudo os melhores, mesmo sabendo que é, em alguns campos, impossível sê-lo. Manuel bem sabia disso.

Mediante a toda a pressão do mundo acadêmico, e o entusiasmo de um homem recém formado, Manuel queria fazer uma descoberta que ao mesmo tempo o colocaria como centro da sociedade, e, que fosse capaz de equacionar a sua duvida quanto a sua própria identidade.

Um fato interessante sobre a personalidade de Manuel e que nos fará compreender muitas coisas é que ele sempre privilegiou a aventura, amava as campanhas, e a exploração de campo, valorizava como ninguém a criatividade e a capacidade de improvisação. Um verdadeiro aventureiro.

Mas passemos a frente. O fato é que, Manuel saiu vagando pelo ermo em sua busca. Passado algum tempo, não muito, ele encontrou uma mulher com a qual se fixou. De lisos e longos cabelos que escorriam sobre o colo, um tanto quanto descoberto e provocador, diga-se de passagem; os seus lábios soberbos tinham um não sei o que de passividade, e seu olhar que antes de encontrar o nosso professor se ocupava em fitar os mistérios naturais, agora se enchiam de fulgor como se estivesse a adorar o seu libertador.

Para ser mais breve, ali se fixou Manuel, ali também ele fundou a nossa famosa universidade de proporções continentais. O local onde Manuel encontrara Aci, assim se chamava a mulher, continha inúmeras riquezas que garantiram a Manuel o sentimento de soberania e de superioridade durante muito tempo. Foi um grande achado no mundo acadêmico. O que despertou o interesse de muitos “colegas” de Manuel, que aos poucos se fixaram em suas cátedras na universidade, alguns a convite de Manuel, outros como parte do pagamento de dívidas de tratados fracassados, ao menos para o nosso desbravador. Os achados de Manuel eram de dimensões geológicas, biológicas, físicas, marítimas, astrológicas, filosóficas entre outras.

A partir do tal achado, e como toda ação gera uma reação, houve uma diáspora de acadêmicos para este novo mundo cientifico. Logo as cátedras foram assumidas, os trabalhadores arrumaram as salas e os estudantes se matriculavam. Os primeiros universitários, não gozavam de boa reputação, na sua grande maioria não conseguiram êxito nas outras academias e foram forçados a ingressarem na nossa universidade.

Lembro-me que os acadêmicos mais pareciam cães famintos, capazes de brigar até a morte, por um pedaço de carne mal formada. Manuel nuca teve pulso muito forte, por isso seu cargo de reitor, não durou muito, e em quanto durou, era mais figurativo do que impositivo. Ele não era o mais inteligente, não era o mais sábio, muito menos o mais rico ou famoso, na verdade, ele nem sabia o que era, mas, segundo o que dizem, vivia se gabando de possuir grandes riquezas, entre elas até mesmo incluía Aci nelas. O que ele não sabia é que nessa altura do curso não só o Holland, como o Pierre, que também eram professores, já desfrutavam a muito do seio voluptuoso de Aci, ou pelo menos, parecia não saber. Posteriormente, não se sabe como, Manuel se endividou com tal Sr. John, sujeito muito distinto, um visionário liberal, e para pagar suas dividas Manuel abril não só as portas da universidade, como também de sua casa. Sabe-se hoje que também o senhor John teve um caso com Aci.

Não sei se atraídos por Aci, ou pelas exuberantes descobertas científicas, ou ainda por John ou qualquer um dos distintos cavalheiros que para cá vieram, estudantes de todo mundo engessaram na universidade que aos poucos foi tomando uma feição mais ou menos bem definida.

Aci teve ao todo 27 filhos cada qual nada parecido com o outro, o fato é que quase todos, em suma muito criativos, muito inteligentes e estudados, assim como os pais, e diferentemente da mãe, seguiram uma prodigiosa carreira na universidade. Infelizmente uma coisa de marcante ficou em toda a longa descendência de Aci, todos são extremamente cordiais, assim como a mãe. E esta fama se espalhou pelo mundo e a todos atraiu para a universidade.

Dos filhos de Aci, não sei se dois ou três não seguiram carreira acadêmica, mas hoje com o sistema de cotas, seus descendentes seguem rumos diferentes.  Outros por dificuldade de acesso ao campus central tiveram seu desenvolvimento atrasado, mas desenvolveram pesquisas interessantes sobre flora e fauna. Se bem que subsidiados por capital estrangeiro.

No centro de um planalto seco, porém rodeado de lagos e espelhos d’ águas, se encontra o campus principal da nossa Universidade. Todavia nem sempre foi situado neste local, alguns dizem que a mudança se deve a fatores políticos, outros afirma serem fatores econômicos, há até quem diga que tudo não passou de uma estratégia militar.

(Não irei usar ali para situá-la, mas sim o aqui, pois é de onde eu lhes escrevo) Aqui diversidade maior de pessoas não poderia existir, e se me permitem a piada, dizem aqui que se todos são filhos de um mesmo Pai, também são filhos de uma mesma mãe, e não me refiro a uma virgem. Piadas a parte. Agora o meu discurso ganhará uma postura mais séria. Se há uma referencia em termos educacionais e uma perspectiva futurista consciente na evolução de uma sociedade, elas certamente se encontram em lugar chamado Universidade. Este discurso permeia os lábios de muitos dos professores da nossa universidade, até mesmo de alguns alunos, mas tenho minhas dúvidas se pertencem realmente ao campo da pragmática.

Mediante as graves acusações, já conhecidas pelo leitor, o nosso atual reitor Timótio, foi cassado do cargo, e agora a universidade debate o seu futuro. (Com algumas mudanças no paradigma dos nossos pronomes este “seu” se tornou ambíguo, podendo designar tanto Timótio, como a Universidade. Neste caso o referente é a universidade, uma vez que Timótio continua lecionando psicologia na Universidade.

Muitos dos bisnetos de Aci que assumem cadeiras importantes na Universidade deliberam em reuniões longas sobre o que irá acontecer. Uma coisa é certa o afastamento de Timótio (ao menos como reitor). Agora me indagam constantemente sobre os milhões que foram encontrados dentro do jaleco do professor de economia, de onde saíram? Não sei se da verba destinada à pesquisa, ou se de uma articulação política.

Certamente este é um momento histórico para todos nós, a invasão dos estudantes me pareceu muito bem sucedida, apesar dos métodos. O conselho máximo estuda um novo candidato para o cargo, os funcionários e os alunos buscam a paridade na escolha. Parece-me uma grande luta por uma abertura democrática na instituição.

O que ainda muitos estudantes e professores não perceberam é que as estruturas do nosso povo foram formadas nesta universidade. Os estudantes ainda se perguntam quem são. A resposta é simples: filhos de mesma mãe, de pais distintos, e cada um busca seu espaço nesta terra de incertezas típicas do mundo acadêmicos. A hipótese para o nosso futuro, bem acho que um dos tantos milhões tataraneto de Aci irá a ser o próximo reitor.

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