Parto

O poeta e o neófito saíram para poetizar

Ao chegar à esquina do ponto do ônibus

Neófito com seu celular nas mãos anotava

Pessoas olhavam desconfiadas

Aqueles dois tipos ali parados,

Aqueles dois seres estranhos

Neófito disse:

37 minutos, 12 homens subiram no circular, 19 mulheres,

1 transexual, crianças conta também?

Tivemos 4 acompanhadas dos pais.

2 com brinquedos, uma com doce

Outra com a imaginação.

Hum… Eis um som emitido poeticamente pelo poeta.

Neófito levantou aos céus os olhos

Fatigados pela emissão artificial da luz,

As suas pupilas rapidamente reagiram em defesa.

Em si ele sentiu o cheiro do perfume barato da mulher de vestido azul

Que subira no ônibus carregando a inveja do transsexual e os olhares dos marmanjos

Inclusive do senhor de short e havaianas que não havia nada nos bolsos

E que após tristemente constata-lo desceu do ônibus pela porta da frente e se pôs a andar,

Andar como não andava o cachorro que estava sobre os braços da jovem que não tinha filhos,

E se sentia tão vazia como o bolso do senhor de short, exceto por seu cachorro,

Cachorro que era indiferente ao mundo, Neófito sentia,

Senhor indiferente ao Cachorro

Mulher indiferente ao Poeta

O transsexual tentando ser indiferente

Ao abrir os olhos um poeta se sentia

E mais próximo de cada um como nunca se sentiu antes

Do mesmo modo nunca se sentira tão longe

Tão só estando, ao mesmo tempo ao redor tanta gente.

Ali contemplava

A vida que se transformava em poesia

E a poesia que nascia da vida

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Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Bob Dylan Nobel de Literatura.

O assunto é clichê? Sem dúvida. No entanto, como não retomá-lo quando o prêmio Nobel da Literatura é concedido a um cantor e compositor. Ora, praticamente impossível. 1. Seja pelo prestígio do prêmio. 2. Seja pela importância midiática. Mas afinal, canção é literatura?

A primeira coisa que vi particularmente foi uma legenda no jornal, até então tudo bem, pensei: “O Bob escreve também? Pode ser… por que não? Hoje em dia, muitos compositores se lançam na literatura…”. A minha expectativa pelo inusitado possível livro foi logo quebrada, antes mesmo de me perguntar se o Dylan escreveria poesia ou prosa. Expectativa quebrada pela seguinte frase: “‘Criou nova expressão poética na canção americana’, dizem organizadores.”. Ou seja, Dylan recebeu o Prêmio Nobel (de literatura, diga-se de passagem) por sua expressão poética na canção.

Dito que a expressão poética na canção é o motivo da premiação, podemos pensar, ou sonhar, depende do seu ponto de vista teórico, com Chico Buarque recebendo prêmios de literatura por seu trabalho musical. Sabemos que trabalhos acadêmicos não faltam sobre o Chico compositor. Se eu puxar a sardinha para o meu gosto, diria ainda que caberia um prêmio in memoriam para o Renato Russo, não o Nobel, mas quem sabe um jabuti? Pela força poética, justifico-me: “És parte ainda do que me faz forte” ou ainda “Quando se aprende amar o mundo passa a ser seu”. Sem falar nas riquezas de figuras de linguagem: “Acho que o imperfeito não participa do passado.”.  “Não estatize meus sentimentos/ pra seu governo/O meu estado é independente”. “Fiz carvão do baton que roubei de você/ E com ele marquei dois pontos de fuga / E rabisquei meu horizonte”. Obviamente não poderia ser diferente, morei quase a vida inteira em Brasília, e amo rock. Logo reconheço a riqueza da obra de Dylan, no entanto será esta riqueza literária?
No ensino médio um professor de química me ensinou algo importante: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa totalmente diferente” Aqui deixo claro meu posicionamento, canção é canção, literatura é outra coisa, uma arte diferente, não totalmente, mas em todo caso diferente. Pedagogicamente falando, pensemos em uma vitamina de banana, ela não é leite nem banana. Tão pouco é possível dissociar o leite da banana uma vez que batidos no liquidificador, pois ambos formam um novo elemento, um elemento orgânico e complexo em si.

Primeiramente é difícil estabelecer na literatura contemporânea elementos de poeticidade. Na poesia clássica temos elementos de fácil identificação, que todos conhecemos de cor. São eles: verso, rima, métrica, mas como bem sabemos o netinho jogou os óculos na latrina. Mesmo que alguns poetas como Manuel Bandeira conseguiram construir poemas com um ritmo por vezes bem definidos, a tendência do modernismo para cá, é de elementos clássicos ausentes e cada vez menos marcados. De toda forma, não podemos falar desses elementos clássicos como condição sine qua non da poeticidade de uma obra.

Por outro lado, analisemos a canção. Basicamente a cançaõ depende de dois elementos para existir: letra e melodia. Não nos cabe analisar a melodia.  Resta-nos a letra. A letra em vários autores do cancioneiro brasileiro, bem como de outros países, (O Dylan nos Estados Unidos, por exemplo) se destacam, justamente pela poeticidade de suas obras. Penso em Noel Rosa, e tantos outros. Mas ao compor uma canção, letra e melodia fazem uma unidade, uma só carne, a letra é vazia sem a melodia, e a melodia vazia sem a letra. E aqui potencialmente se cria um problema. E um poema musicado? Literatura ou canção? Cito três exemplos. Fagner musicalizou Fanatismo, um fabuloso soneto de Florbela Espanca. Sem melodia temos um soneto, poema, literatura, clássico, indiscutível. Entretanto com melodia, temos uma nova forma. Neste caso, em alguns momentos a melodia proposta por Fagner ganha tal importância que não fazemos mais atenção à própria marcação rítmica do poema. As rimas dão espaço a um canto que como critico literário não tenho competência para analisar por ser justamente crítico literário e não crítico de música. O Evidente é que ajuntando àquele poema de outrora uma melodia e um canto, eis que o “poema” não é mais um soneto, é uma canção, uma outra obra.  Fagner faz o mesmo em Traduzir-se de Ferreira Gullar. Nesse caso a metalinguagem ganha novas proporções, que poderiam ser exaustivamente debatidas, agora deixo apenas o seguinte questionamento: traduzir uma parte outra parte (que é questão de vida e morte) em será arte?

A poesia de Gullar é mais moderna que a de Florbela, os elementos clássicos menos marcados, e menos ainda no terceiro exemplo. O poema Travessia do Eixão do Poeta Nicolas Behr foi musicalizado pela Legião Urbana. Na canção da Legião elementos musicais são introduzidos fazendo que o poema ganhe uma característica quase folclórica. O coral, o ambiente musical por assim dizer, quase faz esquecer a poeticidade do texto original.  Obviamente minha pretensão não é analisar minunciosamente cada obra, mas constatar uma diferença imanente, semântica e ontológica entre canção e literatura. Fique claro que não conheço a fundo a obra de Dylan, a analise não é se a obra de Dylan tem ou não qualidade poética, mas se ela é ou não poética.

Alguns intelectuais veem como sinal de uma decadência da qualidade do ensino superior quando alunos de letras dedicam-se mais às analises de letras de canção em detrimento da literatura. O debate, e o Prêmio Nobel me faz chegar ao seguinte raciocínio. 1. A literatura está decadente e no momento não há ninguém que produza uma literatura de qualidade suficiente para receber o Nobel, seja por uma obra, ou pelo conjunto de obras. 2. O Próprio conceito de literatura está turvo, ao ponto de claramente não se saber o que é a literatura.

No entanto, não quero generalizar. Por isso gostaria de evidenciar algumas ressalvas. Sobre o ponto 1. Pode haver literatura de qualidade sendo feita, talvez o problema seja no reconhecimento e na difusão, entretanto o prêmio concedido a um cantor e não a um escritor coloca os escritores em posição de cheque. O que não deixa de ser, em um ponto de vista sinal de decadência.

Sobre o ponto dois: Devido às rupturas com a literatura clássica uma nova literatura emerge, com novas possibilidades do fazer literário que em séculos anteriores não seriam possível. As artes se interligam e dialogam entre si, o cinema é o grande exemplo, nesse contexto pouco a pouco com a perda de uma visão clara de literatura, e também com uma crítica cada vez mais ampla e abstrata, seja na forma, mas também na estruturação teórica da própria crítica, o senso da literatura paulatinamente se tornou turvo até enfim se perder. Se perder ao ponto ser considerada a melhor literatura o que não é literatura. Mesmo se encararmos o prêmio como constatação de um avanço ou inovação na área, não seria aplicável uma vez que a aplicação não concerne com o domínio de conhecimento em questão. Ainda que eu acredite que a noção de literatura está realmente se diluindo posso estar errado, e ser somente a academia sueca a não saber direito o que é literatura.

É conhecida a anedota de que certo homem ao encontra-se com Mallarmé lhe teria dito:

– Te admiro muito, pois tenho muitas ideias para fazer poemas, mas não consigo escrevê-los. Mallarmé teria respondido: Porém não é de se admirar, meu caro, poemas não são feito com ideias, mas com palavras. E se Drummond estivesse nessa conversação diria: – Com uma ressalva, poemas são desafiando as palavras.

Nessa luta, não gostaria de adicionar outros elementos tais quais, melodia, tom, canto, compasso e companhia. Não cabe julgar quem está certo, mas lendo Os MiseráveisMemórias Póstumas de Brás CubasCrime e Castigo, os Sonetos de Camões (merecem um S maiúsculo) ou os poemas de Manuel Bandeira, sei que são literatura. Quanto ao Dylan já não posso dizer o mesmo. E Digo isso sem nenhuma pretensão de estigmatizar a obra do Bob, mas ao contrário de merecer o legado dele pelo que de fato é, canção. Se ele criou nova expressão poética na canção americana, inventemos um Nobel da canção. Seria mais justo para o compositor enquanto compositor, e mais respeitoso aos escritores enquanto escritores.

 

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Metapoeticamente falando

A luta pela profundidade simbólica me afeta

A maturidade se ser poeta

Não significa apenas uma ou outra estética

Antes encantar e disfarçar,

Pois o alcance destas inimigas ávaras

Não se dá tão somente pela perícia

Mas também pela identificação

Do ser que busca

Saber e se reconhecer

No amor

Ou no seu duplo

Amar.

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Reconstrução de um poema há muito esquecido

 

 

Foi a tua ação que gerou a minha reação

Num sistema quase conservativo

O atrito causado pela tua inércia

Avançou-se no tempo que se diz relativo e eterno

Ilusão do reflexo que a muito compus

Com a dinâmica da minha força

Em jaulas tensionadas

 

O meu sentido não encontra a tua direção

Errante em busca dum corpo ideal

Concluo: tudo se distorce

Quando as imagens não convergem

A massa e a matéria inexistem

A energia se transforma na antimatéria

Da foça motriz

 

A deformação dos sentidos

É o meu movimento uniformemente variado

É a quantidade de calor que acreditava ter

 

Na aceleração dos meus pensamentos peso meu destino

De ti resta me resta a gravidade

O empuxo que me impulsiona

 

E…Se tudo depende de um referencial

O meu espaço real encontra a raiz do problema

Me eleva na velocidade da luz

E lá atrás vejo o seu reflexo

No amálgama holístico inexiste em nós

Dois corpos nem sempre se atraem.

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Tempestade

A tempestade que sempre faço

Num copo d’água me afogou

por não saber nadar no nada

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Eu não queria escrever um poema

Eu não queria escrever um poema

apenas

uma carta para você

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Poema Livre

Por hoje, gostaria de um poema

Um poema que fosse livre,

como a consciência dum recém nascido.

Um poema isento, mas coerente com sua essência…

Poema que não paga imposto, que não tem renda, mas que labuta

Poema que cresce na página branca de um navegador digital, poema bandeirante…

Em versos livres, tão livres na liberdade de ser o que nasceu para ser:

só poema.

Em versos brancos, tão bracos como o céu que existe em meus sonhos e que um dia hei de ver…

Poema, poema, poema, percebo que o que por hoje quiz

é ser todo e somente poema.

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Hoje poderia escrever um poema

Hoje poderia escrever um poema

Começaria com palavras bonitas

Falando de sonhos e maravilhas

Mas não foram palavras bonitas que nos trouxeram até aqui?

Não foram as palavras, os sonhos ou as maravilha?

Ou o amálgama de tudo que me entrelaça a distancia de alguém

Que deveria estar perto, no entanto

Palavras, palavras bonitas, só palavras

Mas quando a leve gota que anuncia a chuva se precipita como palavras por mim escritas

E toca o meu corpo ainda quente

Não… foge-me o sentimentalismo

Foge-me as palavras bonitas

Recomeço, com atos e princípios

E quem sabe ao fim do dia não terei, com palavras bonitas

Um poema escrito.

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Candangus brasiliensis

Se candangos são os trabalhadores que construíram Brasília…

Então acho que os verdadeiros candangos

Ainda podem ser vistos pelas ruas da capital.

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Cerrado?

Cerrado?

Em tempo de seca

Meu coração é um ipê florido.

 

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