Frozen

Saí do trabalho ontem por volta do mesmo horário de sempre. Escutei algumas pessoas na rua comentando algo sobre frozen de yourgute, bem… pelo jeito com que falavam parecia ser gostoso. Fiquei com vontade. Depois de um dia estressante, o prazer de uma boa refeição alivia muito a tensão, com água na boca decidi-me: Irei experimentar esse tal de frozen. Tão logo tomei a decisão, o meu inconsciente, ou subconsciente – não sei ao certo, tão pouco tenho obrigação de saber, afinal não sou eu quem estuda psicologia mas sim minha esposa – recordou-me de conversas com os meus amigos do trabalho mais versados sobre boa culinária, eles realmente tinham comentado sobre este tal de frozen, eu tinha que experimentar. Dirigi-me ao shopping.

Caminhei em direção à praça de alimentação, e quando percebi meu impulso primitivo já estava alterado, as contra-argumentações começaram a me incomodar. Aliás, nem gosto muito de yorgute, e esse negócio de yourgute com frutas não me parece muito… muito másculo, não que eu tenha preconceitos, mas prefiro muito mais um bom e tradicional fast food, um hamburgão mesmo, com a maior promoção de preferência. Ultimamente até tenho comido destes sanduíches mais naturais, monto boas combinações, e isso demonstra que não sou preconceituoso, de certo modo até alternativo. Mas bem, onde estava… ah sim, as contra-argumentações. Pois bem, estava eu a imaginar o perfil das pessoas que optavam pelo frozen, porque de fato é uma questão de opção, e eu estava quase desistindo da opção do frozen, pensei naquelas patricinhas rosas, e no pessoal das bandas coloridas, e os mais alternativos como os iddies e quem sabe hippies, enfim, os mais naturebas. Eu sei que é no mínimo errado rotular as pessoas de tal maneira, mas não esperem de mim uma postura hipócrita, pensei nisso tudo e confesso.

Na praça de alimentação, num lugar marginal, desprivilegiado e tímido avistei a lojinha cor de rosa de frozen de yourgute, minhas suspeitas se confirmaram. Nas mesinhas havia duas meninas rosas, cada uma em sua mesa, um rapaz gordinho em outra que futricava insistentemente no seu iPod e duas meninas de meias coloridas à altura dos joelhos, de dread e óculos de CDF. Não entrei, continuei caminhando, li no banner as opções. As opções eram morango com alguma coisa que não me lembro, outra coisa que não me lembro com outra coisa que não me recordo, e enfim, yourgute de abacaxi com hortelã, a última, sem dúvida era a melhor, ou a menos pior. Se fosse suco eu até enfrentava, mas yourgute, não iria dar, não dessa vez. Quando precisar afirmar a minha sensibilidade para alguma mulher, eu certamente convidarei a dama para deliciar um frozen.

Quantas palavras em inglês utilizei até agora, nem tinha me dado conta, inúmeras.

A esta altura do dia um frozenzinho não iria me satisfazer, eu precisava de um belo lanche. Algo com sustança, como diria minha avó logo após de me chamar de saco sem fundos. Como seria bom agora a comida da minha avó, aquela fornada de roscas e pães de queijo saindo quentinhos do forno de barro. Velhos tempos… Porém eu queria naquele dia, naquela exata hora, algo diferente, algo cheio de conservantes. Bem industrializado. Homem, em geral, não tem muito essas frescuras de ficar demorando horas para decidir o que vai comer, nem que roupa irá comprar. Fui rápido, dos meus três fast foot favoritos escolhi o que estava com a menor fila, porque como todo ser dotado de senso prático repudio filas, e fiz meu pedido. Foi neste dia que recebi de troco a nota de um real, raríssima hoje em dia, que não tiro da minha carteira.

Pois bem, comi só um hambúrguer, para enganar e resolvi que iria jantar com minha esposa, no entanto o hambúrguer, não era o suficiente para enganar, nem tão pouco para aliviar o estresse, pedi o meu milkshake favorito, esse sim vale a pena.

Ao sair do shopping um pedinte falou comigo: ei mano, me arruma um pouco do bagulho ai. Putis pensei… que saco, mas olhei bem para  ele, sujo, ou melhor, imundo, ele não me pediu dinheiro,mas sim comida.  – Pô, cara. Se eu tivesse outro canudinho eu te arrumava. Disse tentando me livrar. Mas ele foi mais esperto: – Toma aí o que você quiser e deixa o resto pra mim. Continuei caminhando e ele ao meu lado, dei uma puxada bem profunda para aproveitar. Se eu vou dar, não vou dar restos não. – Pega aqui, camarada. Antes de me deixar ir ele deu um sorriso… incomum, dificílimo de descrever, quase banguelo, porém tão bonito como poucos que eu vi. Verdadeiro, diferente dos comercias de pastas de dentes, era um sorriso de felicidade. Um sorriso que me incomodou por ter demorado tanto a ceder. – É bom! Ele me disse com o mesmo sorriso que agora me parecia tanto bobo, respondi com as mesmas palavras: É bom!

Talvez eu não tenha me expressado bem, o melhor adjetivo, o mais exato, seria gostoso, mas naquele instante não pensei nisso, não pensei no sabor do meu milkeshake, pensei no como é bom ver outros sorrirem, não de um sorriso qualquer, de um sorriso verdadeiro. È bom.

Ainda antes de ir, já de costa, ele me chamou: Ei, quanto custa um desse? Sete contos. Respondi. A conclusão do nosso pequeno encontro foi ele dizendo – é caro. E eu pensando: é caro…

Caro, para quem, para o que?  Qual a finalidade deste objeto de prazer para o nosso paladar.  De toda forma, quando me dei por mim, percebi que estava enganado, enganado sobre tantas coisas, enganado sobre mim, sobre o real valor que conferimos às coisas, aos objetos, aos prazeres, aos eventos, enfim à vida. Não é um frozen ou o meu milkshake favorito que pode me retirar o estresse, e nem sei mais se era isto o que realmente eu buscava. Não seria a auto-satisfação? Ainda não sei, estou me descobrindo, e essas coisas, vamos ser claros, levam tempo. Todavia, cada progresso é importante, o meu pontapé inicial foi dado, o estopim apenas, o estopim apenas.

Nunca mais o encontrei nem o vi, mas tenho a convicção de que fiz uma boa opção. Se eu tivesse escolhido o frozen, com certeza este evento nunca teria ocorrido, e quem perderia com isso não seria ele, mas sim eu.

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